Embora a sociedade brasileira resulte do caldeamento de
diversos e diferentes grupos étnicos, tanto de origem autóctone, como europeia
e africana, resultando com isso numa mistura impar na história da humanidade, o
tema relações raciais ainda é de difícil trânsito nas instituições que dão
forma a este país, até mesmo nas Escolas. Nesta quinta-feira, 23 de novembro de
2017, a E.E. Presidente Olegário Maciel promoveu, como evento da Semana de
Educação para a Vida, uma importante palestra com o Prof. Mestre Paulo Robério
F. Silva. Em pauta, as Relações Raciais e as artimanhas da Raça e do Racismo.
Mediado pela supervisora Hélia Silva, a abertura do evento
foi feito pela diretora da instituição, Senhorinha Andrade, que versou sobre a
importância das relações sociais a partir de previsibilidade na legislação
educacional vigente, considerando a sua significância em face da realidade
social brasileira e manguense, em particular, marcada pela diversidade étnica.
O evento, que teve a presença de educandos do turno
vespertino, tanto do ensino fundamental como médio, contou também com a
presença dos alunos pesquisadores do projeto de Iniciação Científica:
Africanidades desenvolvido pela E.E. Ministro Petrônio Portela. Foi uma
oportunidade para se apresentar o referido projeto de iniciação científica
promovido pela primeira vez em Minas Gerais com educandos do ensino médio e que
tem como objetivo investigar as identidades de duas comunidades quilombolas e
relacioná-las as dinâmicas desenvolvidas pela Escola, bem como foi apresentado também o projeto "Indicadores da Qualidade da Educação: Relações raciais", a ser desenvolvido em 2018. Nos mais, foi também um
significativo momento de intercâmbio entre as duas maiores Escolas estaduais do
município.
Em sua fala, o Prof. Mestre Paulo Robério F. Silva
apresentou o panorama histórico de construção das ideias de raça e racismo ao
longo dos últimos cinco séculos. Mesmo que ainda de forma não-científica as
ideias relacionadas à raça e ao racismo no Brasil são implantadas com a
instituição dos processos colonialistas desenvolvidos a partir da primeira
metade do século XVI. A hierarquia entre o colonizador (dominador) de origem
europeia e as populações nativas e em seguida as de origem africana e mestiça
(dominados), como já vai se caracterizando no primeiro século de ocupação
colonial, resulta na instituição de um imaginário que separa os brancos
europeus, numa pseudo-condição de superiores hierarquicamente e o restante da
população, subalternizada e inferiorizada em todos os seus aspectos.
No século XVIII, a ciência, principalmente depois da
classificação das espécies animais feita pelo naturalista Carl Linné em 1735,
com a publicação do livro Systema Naturae,
ratifica a hierarquização das raças e estabelece a verdade científica como
justificativa para separar os seres humanos em civilizados ou não, em suas
diferentes gradações. Já no século XIX, tanto o ideal de branqueamento da
sociedade brasileira, doutrina instituída pela elite nacional a partir da
independência do Brasil em 1822, como o desenvolvimento de teorias científicas,
a exemplo da antropometria e da osteometria, ramos do conhecimento utilizados
para medir as proporções do corpo e dos ossos, visando identificar, sobretudo,
a propensão ao crime, contribuíram para acentuar ainda mais a distinção entre
brancos e não-brancos, fortalecendo com isso o estado violento de desigualdade
social.
Mesmo com a tentativa de Gilberto Freyre, antropólogo
pernambucano, de “amenizar” os efeitos desta hierarquia social com a sua defesa
de que no Brasil se processou e processa uma “democracia racial”, tese
apresentada no livro Casa Grande & Senzala, publicado em 1933, as
distâncias entre brancos e não-brancos não arrefeceram. Ao contrário, têm se
tornado cada vez mais expressivas e violentas.
Como resultado, o país chega ao século XXI divido entre
aqueles que percebem, em linhas gerais, que os problemas de raça e racismo não
se referem necessariamente à “cor da pele”, mas a desigualdade social. Muitos
se apóiam, inclusive, em uma ideia esdrúxula de que no Brasil não há racismo,
como defendem Ali Kamel, diretor de jornalismo da Rede Globo, no livro Não Somos Racistas e o geógrafo da USP,
Demétrio Magnoli no livro Uma Gota de Sangue.
Por outro lado, há aqueles que entendem que as questões de raça e de racismo têm
construção histórica e que tem resultado na produção de uma sociedade
extremamente desigual, em que milhões de brasileiros são violentados em seus
direitos para beneficiar uma pequena parcela da sociedade que se arvora elite.
O tema, como se pode perceber nesta breve reflexão
considerando os elementos históricos, é carregado de nuances caracterizando,
com isso, a sua complexidade que, seguramente, vai para além dos aspectos
científicos, perpassando elementos morais e de relação de poder, entre tantos
outros. Nisto se assenta a manifestação do racismo como elemento constituidor
da sociedade brasileira, construída, inclusive em nossos dias, em bases
escravistas.
Desse modo, seria profícuo perceber alguns aspectos da
natureza do racismo:
a) Seu lugar privilegiado é o imaginário.
b) Se justifica na exata proporção de produção de
privilégios para o racista e de exclusão para as vítimas.
c) Se materializa na apropriação dos recursos escassos,
condição que acentua a desigualdade social.
d) Se perpetua num moralismo (ou pseudo-moralismo) arcaico,
conservador e que não aceita as transformações sociais em busca de uma sociedade
para todos, indistintamente.
No mais, uma longa jornada ainda nos separa do ideal
africano do ubuntu: só sou porque
somos nós. E esta longa jornada, feita de sonhos, suor, sangue e muita garra
começaria em cada movimento que nos conduza, mesmo que ainda timidamente, ao
sonho de liberdade para todos, indistintamente.
* Mestre em Ciências Sociais pela
PUC Minas; Historiador; Especialista em História e Cultura Afrobrasileira pela
PUC Minas; Gestão Escolar; e Qualidade da Educação Básica pelo EDUCOAS (OEA). Autor
dos livros: Manga – encontro com a
modernidade e Educação para a
diversidade (no prelo). Professor das Escolas Estaduais: Ministro Petrônio
Portela e Presidente Olegário Maciel.
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