domingo, 27 de agosto de 2017

CONHECIMENTO E DISCIPLINA FORAM TEMAS DE PALESTRA DO PROF. MESTRE PAULO ROBÉRIO*

O tema indisciplina em Escolas, sobretudo as públicas, tem ganhado espaço de destaque nos debates referentes aos desafios da educação nos últimos anos. Trata-se, efetivamente, de uma discussão de difícil encaminhamento, sobretudo, em fase da complexidade de causas e efeitos relacionados. Como possibilidade de aproximação reflexiva, o Prof. Mestre Paulo Robério F. Silva realizou na E.E. Ministro Petrônio Portela, a convite do Grêmio Estudantil daquela instituição e de sua direção uma palestra no último dia 5 de agosto de 2017 com objetivo de açular algumas questões relacionadas ao tema.

Como mediação da reflexão foi proposta inicialmente a afirmativa de que “a centralidade do conhecimento no fazer escolar é o elemento orientador dos processos disciplinares”, ou seja, a disciplina escolar não escaparia aos determinismos da efetivação do conhecimento escolar no ambiente de ensino e de aprendizagem, razão da justificativa da função social da Escola. O conhecimento, neste caso específico, se refere à transformação, grosso modo, da informação em algo efetivamente útil para os sujeitos envolvidos em sua produção e (re)significação.   

Como mostra Saviani (2008), o conhecimento se refere ao novo e se apóia na estrutura cognitiva já existente, ou seja, nas experiências do educando. Ao se identificar as deficiências em relação a dado saber dos alunos (e dos Professores), produzir, por meio do Professor, novas aprendizagens significativas (construção de novos sentidos) a partir dos conhecimentos já existente. 

Ainda segundo sua reflexão, a materialização do conhecimento traria certos benefícios:
1) A possibilidade da troca de saberes, de professores e alunos, em seus diferentes níveis de compreensão, tanto de experiência, como de conhecimento.
2) A preocupação em atuar em questões no âmbito social, verificando conhecimentos que precisam ser alcançados, não apenas apresentando problemas, mas problematizando questões e atuando nas necessidades que elas geram.
3) Articular o conhecimento apreendido ao cotidiano do aluno, permitindo a reflexão e consciência de si e do mundo, tornando-os ‘elementos ativos de transformação social’.
4) Permitir aos alunos, a capacidade de ‘expressarem uma compreensão da prática em termos tão elaborados quanto era possível ao professor. (SAVIANI, 2008).

Disciplina, de outra forma, pode ser apreendida, também de uma forma imediata, com os processos educativos (no âmbito da escola) orientado para determinados fins. Esta aproximação, ainda simplória, diga-se, seria útil, em dada perspectiva, para se superar o reducionismo de pensar a indisciplina apenas com resultado da incapacidade ou impossibilidade dos sujeitos educandos à socialização em ambientes de diversidade.

Como possibilidade de se ampliar o arcabouço reflexivo, sugere-se que os fins da Escola (pública), ou seja, a realização de sua função social, se daria, numa perspectiva metodológica, na efetivação da Pedagogia Histórico-Crítica. Esta se realiza mediante o desenvolvimento de 5 momentos (independentes, intercalados e dialéticos):

1) Prática social inicial;
2) Problematização;
3) Instrumentalização;
4) Catarse;
5) Retorno à prática social.

No dizer de Saviani (2008, p. 58),

“[...] a prática social referida no ponto de partida (primeiro passo) e no ponto de chegada (quinto passo) é e não é a mesma. É a mesma, uma vez que é ela própria que constitui ao mesmo tempo o suporte e o contexto, o pressuposto e o alvo, o fundamento e a finalidade da prática pedagógica. E não é a mesma, se considerarmos que o modo de nos situarmos em seu interior se alterou qualitativamente pela mediação da ação pedagógica; e já que somos, enquanto agentes sociais, elementos objetivamente constitutivos da prática social, é lícito concluir que a própria prática se alterou qualitativamente.”

A partir desta abordagem inicial, foi possível então sugerir um conceito aproximado do que vem a ser educação escolar. Seria, de certo modo, os processos de socialização (ensino) e apreensão (aprendizagem) de saberes (informação transformada em conhecimento) úteis e necessários à sociedade.

Conforme Saviani e Duarte (2010), a educação é um processo intencional de transformação da realidade por meio da produção de saberes.

A educação revelava-se impossível na medida em que fossem considerados apenas os elementos que caracterizam a estrutura do homem em seu aspecto empírico. Ou seja: enquanto ser situado, determinado pelas condições do meio natural e cultural, a educação resultava impossível.
No entanto, a análise do aspecto pessoal, isto é, da liberdade, mostrava o homem como um ser que, embora situado, se revelava capaz de intervir pessoalmente na situação para aceitar, rejeitar ou transformar. Enquanto ser livre, ele mostrava-se capaz de optar e tomar decisões. Esse aspecto já permitia responder positivamente à questão da possibilidade da educação. Se o homem é livre e capaz de intervir na situação, então ele pode intervir na vida das novas gerações para educá-las. (SAVIANI; DUARTE, 2010, p. 422).

Como desdobramento, tomou-se a Escola moderna como referência. Esta Escola, além de necessariamente reproduzir os elementos da ordem dominante, também é lócus que fomenta a prática transformadora da própria sociedade, estando aí, numa perspectiva marxista, a sua contraditoriedade.

Para Saviani (2008) a educação parte de uma condição de desigualdade (Escola moderna) para uma condição de igualdade no ponto de chegada.

Para justificar o seu caráter revolucionário, a Escola deve garantir ao educando o acesso ao conhecimento científico historicamente acumulado, no sentido de que os excluídos possam lutar contra o estado de exploração, pois “o dominado não se liberta se ele não vier a dominar aquilo que os dominantes dominam. Então, dominar o que os dominantes dominam é condição de libertação” (SAVIANI, 2012, p. 55).

Neste sentido, o conhecimento científico (conteúdo) é determinante. Por meio dele é possível superar o senso comum, condição que leva os alunos à compreensão crítica da realidade que se apresenta por detrás da aparência dos fenômenos cotidianos.

A Escola seria, enfim, instituição inevitável nas necessidades evidentes de transformação da realidade. Ainda apoiando-se em Karl Marx, foi possível refletir sobre as condições determinantes de transformação da realidade, ou seja, a existência de condições materiais e teóricas que permitam a emergência daquilo que efetivamente se deseja.

Tal movimento dinamiza-se na práxis, que seria, grosso modo, a produção humana da existência. Como mostra Saviani (2012), seria espontaneísmo a prática sem teoria, que resultado no fazer pelo fazer. De outra forma, o idealismo se manifesta quando a teoria impera sem a prática. “A teoria dá sentido à prática e esta última se torna fundamento e critério de verdade da primeira.” (SAVIANI, 2012, p. 61). Seriam – teoria e prática indissociáveis.

[...] o movimento global do conhecimento compreende dois momentos. Parte-se do empírico, isto é, do objeto na forma como se apresenta à observação imediata, tal como é figurado na intuição. Nesse momento inicial, o objeto é captado numa visão sincrética, caótica, isto é, não se tem clareza do modo como ele está constituído. Aparece, pois, sob a forma de um todo confuso, portanto, como um problema que precisa ser resolvido. Partindo dessa representação primeira do objeto, chega-se por meio da análise aos conceitos, às abstrações, às determinações mais simples. Uma vez atingido esse ponto, faz-se necessário percorrer o caminho inverso (segundo momento) chegando pela via da síntese, de novo ao objeto, agora entendido não mais como a representação caótica de um todo, mas como uma rica totalidade de determinações e de relações numerosas (SAVIANI, 2012, p. 61-62).

Por fim, ao se aproximar, conhecimento e disciplina, sempre no contraponto à generalização da indisciplina que, como dito alhures, tem ocupado um lugar de destaque dos sérios problemas que são enfrentados diuturnamente pela Escola, visualizou-se alguns caminhos possíveis quando o tema é tratado em sua relação com os saberes produzidos ao longo dos tempos pelo homem e transformado em saberes escolares:

- A concepção pedagógica é o elemento norteador.

- A centralidade do “conhecimento” científico (com as suas implicâncias morais) é o que determina o “fazer escolar”.

- A democracia é substrato para o comprometimento de todos nos processos de transformação da realidade mediante determinados fins.

- As condições materiais da Escola interferem diretamente nos processos a serem desenvolvidos.

- A educação familiar e a educação social são balizares na produção de um ambiente harmonioso de convivência social na Escola.

- O número de educandos por sala de aula interfere substancialmente nos processos a serem desenvolvidos.

Como provocação, no sentido de aproximar a discussão do avanço da Escola neoliberal, foi sugerida a seguinte reflexão em relação a fatídica pedagogia do “aprender a aprender”:

O primeiro desses princípios é o de que aprender sozinho é melhor do que aprender com outras pessoas. O segundo é o de que a tarefa da educação escolar não é a de transmissão do conhecimento socialmente existente, mas a de levar o aluno a adquirir um método de aquisição (ou construção) de conhecimentos. O terceiro princípio é o de que toda atividade educativa deve atender aos e ser dirigida pelos interesses e necessidades dos alunos. O quarto princípio é o de que a educação escolar deve levar o aluno ‘aprender a aprender’, pois somente assim esse aluno estará em condições de se adaptar constantemente às exigências da sociedade contemporânea, a qual seria uma sociedade marcada por um intenso ritmo das mudanças. (DUARTE, 2008, p. 215).

Referências:

DUARTE, Newton. A formação humana na perspectiva histórico-ontológica. In: SAVIANI, Dermeval; DUARTE, Newton (Org.). Pedagogia histórico-crítica e luta de classes na educação escolar. São Paulo: Autores Associados, 2012. p. 13-35.

DUARTE, Newton.  Por que é necessário uma análise crítica marxista do construtivismo? In: LOMBARDI, José C.; SAVIANI, Dermeval (Org.). Marxismo e educação: debates contemporâneos. Campinas: Autores Associados, 2008. p. 203-221.

SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. Campinas, SP: Autores Associados, 2008.

SAVIANI, Dermeval.; Duarte, Newton. A formação humana na perspectiva histórico-ontológica. Revista Brasileira de Educação, v. 15, p. 422-433, 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v15n45/02>. Acesso em 03 ago. 2017.

* Mestre em Sociologia, Antropologia e Ciência Política pela PUC Minas; Historiador;

Especialista em História e Cultura Afro-brasileira pela PUC Minas; Gestão Escolar; e Qualidade da Educação Básica pelo EDUCOAS (OEA). Autor dos livros: Manga – encontro com a modernidade e Educação para a diversidade (no prelo).